É no ambiente da casa, da mesa e da intimidade, que aprendemos a colocar em prática a maior lição que o nosso Mestre deixou: a humildade. É fácil mostrar serviço atrás das luzes e dos microfones, em cima das plataformas, dos palcos e através das redes sociais. Mas Jesus estava a portas fechadas, só Ele e os discípulos. Não era um culto ao vivo, nem uma live. Certa vez, Ele disse: “... Que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita, de forma que você preste a sua ajuda em segredo…” (Mateus 6:3-4). É fácil levar a mala de alguém importante, o difícil é levar a mala do “Zé ninguém”.
É na intimidade que demonstramos nossa consciência de identidade, e entendemos que não precisamos nos auto afirmar nem provar nada a ninguém. Jesus sabia quem Ele era, por isso Se levantou da mesa e foi fazer o que ninguém quis fazer (vs 3-4). A tarefa de lavar os pés era, em geral, realizada por um empregado. Não havia empregado, e nenhum dos discípulos se ofereceu para lavar os pés dos presentes. Ao se levantar durante a refeição e não antes, Jesus estava ressaltando um ensinamento. Certa vez, Ele perguntou: “... Quem é o maior: o que está à mesa, ou o que serve…?” (Lucas 22:27).
É sobre espiritualidade
Naquela época, as mesas eram bem baixas e as pessoas se sentavam no chão, às vezes sobre almofadas. Ou seja, os pés não ficavam escondidos, mas expostos; não era, portanto, educado comer com os pés sujos. Lavar os pés ao entrar numa casa era uma prática usual, porquanto eles ficavam sujos ao caminhar pelas ruas lamacentas ou empoeiradas. Como de costume, um serviçal os lavava, mas Jesus Se dispôs.
O sentido aqui é muito mais profundo do que apenas prestar um serviço. É sobre espiritualidade. Os pés expostos fazem um paralelo com a nossa alma. Na caminhada diária neste mundo imundo, nossos pés, invariavelmente, se sujam. O sentido profético de estar à mesa é falar do nosso coração, expor nossos pecados, fraquezas e tentações, vulnerabilidades e carências. Tiago diz: “Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros para serem curados” (Tiago 5:16). É sobre cura da alma!
Lavar os pés, portanto, tem o sentido de ajudar uns aos outros a permanecer limpos espiritualmente, mantendo a santidade e a saúde espiritual. Esta é a chave para que o corpo de Cristo funcione, porquanto, cada membro tem sua função e se torna um agente do Pai para ajudar o irmão a limpar o coração e corrigir o seu caminho (I Coríntios 14:26).
O orgulho e a justiça própria
Mas, por que ninguém lavou os pés de ninguém? Será que já haviam se acostumado uns com os outros e não acharam mais tão importante essa prática? Facilmente podemos perder o propósito e vulgarizar o sentido da mesa e da reunião nas casas! Foi o que aconteceu com a Igreja de Corinto - “... As reuniões de vocês mais fazem mal do que bem” (I Coríntios 11:17). Eles estavam se reunindo nas suas “refeições ágapes” apenas para comer, revelando o egoísmo, não atentando para o sentido espiritual, que seria a partilha de si mesmos uns aos outros, a dinâmica do corpo.
A atitude de Pedro, ao não querer que Jesus lavasse os seus pés demonstra o seu orgulho e justiça própria, porque o mais difícil não é lavar os pés, e sim deixar ser lavado. Permitir que alguém lave os nossos pés é o maior sinal de humildade, pois é admitir que precisamos. Tem alguma coisa errada com a pessoa que só quer lavar os pés de todo mundo, mas ela nunca permite que alguém lave os seus!
Jesus disse a Pedro que ele entenderia mais tarde (v 7), e na sequência afirmou: “... Se eu não os lavar, você não tem parte comigo” (v 8). Ter parte é ter comunhão, aliança, conexão. Era uma referência ao que Ele faria logo depois, entregando-Se na cruz por Pedro e todos nós. Quem não aceita o sacrifício dEle e não se rende ao Seu perdão, reconhecendo que precisa ser purificado, não tem parte com Ele.
Pedro já estava limpo (vs 9-10), ele só precisava lavar os pés. Podemos fazer um paralelo com o batismo. O ato profético do batismo reflete nossa purificação de todo o pecado quando nascemos de novo. No entanto, precisamos da purificação diária, pois é impossível não nos sujarmos em nossa caminhada (I João 1:8, 9).
Se Ele é Senhor, nós somos escravos
Jesus disse que, se os discípulos O chamavam de Mestre e Senhor, eles deveriam também lavar os pés uns dos outros (v 14), porque “... Nenhum escravo é maior do que o seu senhor…” (v 16). A palavra grega aqui para “escravo” é doulos, “aquele que se entrega à vontade do outro; dedicado a outro, ignorando seus próprios interesses”. Se Ele é Senhor, nós somos escravos.
A proposta do evangelho é simples. Não é sobre grandes empreendimentos e estruturas, coisas super elaboradas ou projetos arrojados. Trata-se de relacionamentos de amor, de importar-se uns com os outros, de servir em humildade, não para ser visto e considerado, mas simplesmente priorizando o melhor nos outros. Quem segue a Jesus, serve ao ponto de dar a vida (Mateus 20:27-28). Este é muito feliz - “Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem” (v 17).